Saltar para o conteúdo

Temos economia, mas não é circular

31 - Janeiro - 2018

 

Embora incida sobre a realidade do Reino Unido, o filme espelha o que está a acontecer no mercado global dos resíduos de plástico. Atraídos pela procura chinesa, os "gestores" e os "operadores" apostaram na exportação. Enquanto os legisladores de Bruxelas e Estrasburgo preparavam programas e regulamentos sobre "economia circular", centenas de fábricas de reciclagem de plástico fecharam. As "ecotaxas", os "valores ponto verde" – o dinheiro dos cidadãos – subsidiaram a exportação para a Ásia. As estatísticas, que davam as quantidades exportadas como recicladas, mentiam. Na Ásia, a maior parte era (e ainda é) refugo devolvido ao ambiente e a parte reciclada era (e ainda é) processada em condições infra-humanas e infra-ambientais. Esta realidade é conhecida pelo menos há uma década, mas nada mudou nas políticas europeias.
A grande mudança veio da China. Continua a precisar de grandes quantidades de plástico (resíduos para reciclar) para alimentar a sua indústria, mas estava farta de ser a maior lixeira do mundo. Restringiu e proibiu a importação, exigindo resíduos processados, limpos, apostando na recuperação dos seus próprios resíduos e também na melhoria das condições e capacidades da sua indústria de reciclagem. O resultado está à vista no mercado global e sobretudo no europeu. Desapareceu a procura "insaciável" de resíduos de plástico. Os "operadores" e os "gestores" têm cada vez mais dificuldade em vender as quantidades recolhidas. Os "sistemas integrados" foram configurados para trabalhar com preços elevados, mais ou menos garantidos, sempre com a procura acima da oferta. No novo cenário, quase tudo se inverteu. A procura de resíduos diminuiu e os poucos recicladores que restam têm alternativas melhores e mais acessíveis de aprovisionamento.  Com a China a restringir as importações, os grandes dealers procuram destinos alternativos na Ásia. Ou seja, comete-se o mesmo erro…  Mas não há outra China.
Se os operadores não conseguem vender os resíduos aos preços a que estavam habituados, o financiamento da operação tenderá a sobrecarregar os cidadãos…
Cometeram-se erros neste itinerário. Aumentou o número de "operadores", de "gestores", numa palavra, de intermediários mas perdeu-se o conhecimento e o controlo do destino final. Deixou de se verificar se os resíduos eram mesmo reciclados, isto é, convertidos em nova matéria prima. Bastava pagar a quem os exportasse, comprando assim a estatística para fazer o brilharete do cumprimento das metas…
Em tempos, foi apresentada uma proposta essencial e elementar: os incentivos económicos à recolha (o dinheiro das ecotaxas e dos "pontos verdes") só deviam ser pagos mediante "prova de reciclagem" e as estatísticas da reciclagem deveriam incluir apenas as quantidades comprovadamente recicladas (e não meramente vendidas ou expedidas).
Os responsáveis pela legislação – incluindo os que estão ainda no exercício do cargo – tiveram esta proposta à sua frente e rejeitaram-na. Preferiram manter o sistema que movimenta o dinheiro dos cidadãos entre gestores e operadores independentemente de os resíduos serem reciclados ou não. Preferiram manter o sistema em que os cidadãos que separam são tratados do mesmo modo que os cidadãos que não separam. O sistema que dá mais importância aos "operadores" e "dealers" que aos recicladores. O sistema que não incentiva a origem (a separação pelo consumidor) nem o destino final (a reciclagem).
Temos economia, mas não é circular.

No comments yet

Deixe um comentário